A universalidade é um dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). Ou seja, ele precisa prover assistência à saúde de forma igualitária para todos os brasileiros. Mas, e quando pensamos na acessibilidade de surdos nos serviços de saúde? É sobre isso que vamos tratar aqui.
Vamos começar destacando o tamanho desse universo. Afinal, quando falamos dessa fatia da população, nos referimos a cerca de quantas pessoas?
Muita gente.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) divulgados em 2020, mais de 10 milhões de pessoas no Brasil têm algum problema relacionado à surdez. Isso significa que cerca de 5% da população brasileira é surda. E, vale destacar: desse total, 2,7 milhões têm 100% de surdez – não ouvem nada.
Os números atestam a importância de abordamos o tema. Vamos refletir juntos?
Acessibilidade de surdos nos serviços de saúde
Quando pensamos que todo cidadão tem direito à saúde e acesso a todos os serviços públicos de saúde no Brasil, isso, claro, inclui os surdos. Eles estão por todo o país, em diferentes realidades socioeconômicas.
Seja como for, o fato é que eles enfrentam desafios diários no dia a dia. E, quando o assunto é acesso à saúde, não é diferente. A comunidade surda encontra barreiras para alcançar os serviços do SUS.
O sistema público de saúde no Brasil ainda hoje apresenta falhas no atendimento a esses indivíduos. Apesar de ser desenhado a partir de princípios como universalidade, equidade e integralidade, o SUS precisa melhor incorporá-los na prática.
Isso demanda investimentos, qualificação profissional, debate sobre o tema, que precisa entrar na agenda da Saúde de forma efetiva, e mais transversalidade.
Afinal, é preciso que os espaços de prestação de saúde, bem como os profissionais da área, estejam preparados para acolher a comunidade surda, bem como outras minorias com especificidades.
Desafios na comunicação
Como podemos imaginar, a barreira comunicacional é a que mais impacta no atendimento da comunidade surda em unidades públicas de saúde. Isso é um importante complicador, uma vez que dificulta a compreensão sobre as queixas e necessidades do paciente por parte do profissional de saúde, assim como a absorção de conhecimentos e recomendações de saúde pelo paciente.
Difundir a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) entre os profissionais de saúde é fundamental. Para isso, é preciso qualificação – cursos e oficinas de capacitação que abordem a cultura surda são fundamentais.
E é preciso ir além da língua: a forma como se portar diante de um paciente surdo também precisa ser debatida. É preciso humanizar a relação entre profissional de saúde e paciente, em todos os níveis da assistência.
O fato de vivermos em uma sociedade pautada pela comunicação oral é um entrave e tanto para a assistência à comunidade surda. É preciso avaliar a forma como informações e orientações de saúde chegam a essa população para que eles possam procurar atendimento quando necessário e, claro, ter autonomia para o autocuidado.
Programas e políticas públicas efetivas que levem em conta as especificidades dessa comunidade, bem como a realidade dos serviços de saúde público no Brasil, são muito importantes.
Serviços digitais de saúde e o surdo
A pandemia da Covid-19 potencializou uma tendência que já vinha a passos largos: a digitalização de vários serviços, incluindo os de saúde.
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei N.º 13.146, de 2015) prevê, no Artigo 63, que sites de empresas públicas e privadas sejam acessíveis para pessoas com deficiência.
Mas, segundo pesquisa conduzida pela BigDataCorp, em parceria com o Movimento Web para Todos, traz uma realidade preocupante: apenas 0,89% dos 16,89 milhões de sites ativos no país são completamente acessíveis.
Portanto, é preciso pensar nisso e fomentar soluções eficazes e realmente alinhadas às demandas da comunidade surda, levando-se em conta variáveis socioeconômicas e outras como: condição de saúde, escolaridade localização geográfica, entre outras.
Agora, vamos conhecer um pouco do que é preconizado por lei no Brasil.

Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência
A Constituição Federal de 1988 determina em seu artigo 23, capítulo II, que “é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e assistência públicas, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiências”.
Um marco nesse sentido foi a criação da Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência, instituída pela Portaria do Ministério da Saúde, MS/GM nº 1.060, de 5 de junho de 2002.
Essa Política nasce com a proposta de fortalecer a inclusão das pessoas com deficiência em toda a rede de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). Ela parte do reconhecimento da necessidade de implementar no Brasil o processo de respostas às complexas questões que envolvem a atenção à saúde das pessoas com deficiência.
Ou seja: o acesso e o acolhimento da comunidade surda nos serviços de saúde públicos brasileiros são assegurados por lei.
Diretrizes da Política Nacional de Saúde da pessoa com deficiência
Essa política é norteada por algumas diretrizes essenciais para que ela possa, realmente, virar realidade. São elas:
- promoção da qualidade de vida das pessoas com deficiência;
- assistência integral à saúde da pessoa com deficiência;
- prevenção de deficiências;
- ampliação e fortalecimento dos mecanismos de informação;
- organização e funcionamento dos serviços de atenção à pessoa com deficiência;
- capacitação de recursos humanos.
É bom saber: cabe ao Ministério da Saúde (MS) coordenar o processo de formulação, implementação, acompanhamento, monitoramento e avaliação da política de saúde da pessoa com deficiência. Isso, observando os princípios e as diretrizes do SUS, por meio de cooperação/assessoria técnica a Estados, Municípios e ao Distrito Federal para o desenvolvimento de ações e da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência.
Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência
A Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, no âmbito do SUS, foi Instituída por meio da Portaria de Consolidação n° 3/GM/MS de 28 de setembro de 2017.
Ela tem a proposta de ampliar, qualificar e diversificar as estratégias para a atenção às pessoas com deficiência física, auditiva, intelectual, visual, estomia e múltiplas deficiências.
Seus principais objetivos, são:
- Ampliar o acesso e qualificar o atendimento às pessoas com deficiência temporária ou permanente; progressiva, regressiva ou estável; intermitente ou contínua no SUS;
- Promover a vinculação das pessoas com deficiência auditiva, física, intelectual, estomia e com múltiplas deficiências e suas famílias aos pontos de atenção;
- Garantir a articulação e a integração dos pontos de atenção das redes de saúde no território, qualificando o cuidado por meio do acolhimento e classificação de risco.
Para isso, prevê uma rede de serviços integrada, articulada e efetiva nos diferentes pontos de atenção para atender às pessoas com deficiência. Isso, sem dizer da necessidade do início precoce de ações de reabilitação e de prevenção de incapacidades.
Nesse contexto, fica evidente a importância das equipes multiprofissionais de saúde no acolhimento e atendimento aos surdos. Profissionais como enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais, por exemplo, são essenciais para uma assistência de qualidade.
Diretrizes da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência
- Respeito aos direitos humanos, com garantia de autonomia, independência e de liberdade às pessoas com deficiência para fazerem as próprias escolhas;
- Promoção da equidade;
- Promoção do respeito às diferenças e aceitação de pessoas com deficiência, com enfrentamento de estigmas e preconceitos;
- Garantia de acesso e de qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar;
- Atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas;
- Diversificação das estratégias de cuidado;
- Desenvolvimento de atividades no território, que favoreçam a inclusão social com vistas à promoção de autonomia e ao exercício da cidadania;
- Ênfase em serviços de base territorial e comunitária, com participação e controle social dos usuários e de seus familiares;
- Organização dos serviços em rede de atenção à saúde regionalizada, com estabelecimento de ações intersetoriais para garantir a integralidade do cuidado;
- Promoção de estratégias de educação permanente;
- Desenvolvimento da lógica do cuidado para pessoas com deficiência física, auditiva, intelectual, visual, estomia e múltiplas deficiências, tendo como eixo central a construção do projeto terapêutico singular; e
- Desenvolvimento de pesquisa clínica e inovação tecnológica em reabilitação, articuladas às ações do Centro Nacional em Tecnologia Assistiva (MCT).
O surdo e o SUS
Segundo o Ministério da Saúde, pessoas com deficiência têm assegurados direitos como:
- Serem encaminhados para serviços mais complexos;
- Receber assistência específica nas unidades especializadas;
- Terapias e reabilitação física, auditiva, visual ou intelectual;
- Ajudas técnicas e meios auxiliares de locomoção;
- Visitas dos agentes comunitários de saúde.
- Precisamos discutir e expandir nosso ecossistema de saúde digital.
Ainda há muito a ser feito e você e a mudança passa por você, profissional de saúde.
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