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O que pode mudar na escola com o psicólogo e qual o fazer esperado da psicologia nesse lugar?

O que pode mudar na escola com o psicólogo e qual o fazer esperado da psicologia nesse lugar?

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Palavras-chave: aprendizagem; comportamento; psicólogo escolar; políticas públicas.

Já ultrapassamos há muito a ideia de que seríamos determinados unicamente pelo nosso corpo biológico. Somos seres relacionais e são múltiplas as causas que constituem nossa subjetividade. Construímos histórias: a da vida privada e a social, coletiva. As condições econômicas e políticas nos atravessam e constituem também subjetivamente. Por essa razão, a crítica e reflexão sobre estes âmbitos são imprescindíveis no fazer do psicólogo, onde quer que atue. É, portanto, a partir desta ideia que discutiremos sobre o papel do psicólogo no contexto escolar, principalmente na rede pública de ensino.

A reprodução da desigualdade em um país marcado por ela, como o Brasil, gera sofrimentos e preconceitos, com o estabelecimento de padrões inatingíveis. Ainda hoje, como reflexo desta desigualdade, observamos dados tais quais os resultados de pesquisa em 2009 realizada pela Rede CREPOP. Esta, a qual investigava a “Atuação de Psicólogos em Políticas de Educação Básica” por instrumento online, verificou que, dos 302 profissionais que a responderam, apenas 1,3% atuava em organizações públicas (CFP, 2019).

Todavia, em Dezembro de 2019 foi promulgada a Lei 13.935/2019, que garante os serviços da psicologia na educação básica (logo, também na rede pública de ensino) e, em breve, este cenário promete mudar. A partir dessas informações, podemos esperar que a maior inserção de psicólogos nesta área amplie demandas sobre a atuação do psicólogo no contexto escolar, bem como a dificuldade do diálogo entre teoria e prática neste ambiente, apontada em algumas pesquisas (GALDINO; AQUINO, 2017).

O trabalho do psicólogo na Educação Básica ainda encontra dificuldades para se estabelecer enquanto diferente do trabalho clínico, o que dificulta muitas ações dos profissionais (GIONGO; OLIVEIRA-MENEGOTTO, 2010); (CFP, 2019). É importante lembrar que no contexto escolar, a atuação dos psicólogos deve ocorrer priorizando práticas coletivas à individuais, sempre que possível.

A proposta de trabalhar junto à equipe da escola (interdisciplinarmente) pressupõe justamente que cada profissional possa contribuir com os conhecimentos de sua área, no olhar e análise do ambiente escola e todos os atores envolvidos, a fim de que os sujeitos sejam respeitados em sua complexidade própria e do contexto social no qual estão inseridos.

Pensando nisso… Quais os papéis do psicólogo na Educação Básica ?

1. Trabalhar para a superação de estigmas, violências e preconceitos.

O psicólogo, de quem é esperada uma visão aprofundada e crítica, deve e pode trazer reflexões que questionem práticas reprodutoras de preconceitos, violências e estigmas. Deste modo, é possível abrir caminhos para que o ambiente escolar cumpra seu papel como espaço de socialização e inclusão das diferenças. Ademais, segundo nossa constituição cidadã, a escola é para todos: todas as crianças, adolescentes e jovens; tenham ou não deficiências e estejam ou não cumprindo medidas socioeducativas.

É também identificando a reprodução de violências como o racismo, machismo, lgbtgfobia e de classe social que o profissional poderá auxiliar e induzir reflexões que evitem e/ou minimizem o sofrimento psíquico consequente delas. Com a perspectiva de relacionamentos pautados na solidariedade, o psicólogo cumpre seu papel de ultrapassar práticas hegemônicas que buscam a adaptação de todos a um padrão impossível (ideal). Assim, também promove a convivência com as diferenças como uma necessidade possível, visto que cada sujeito é singular.

2. Questionar e trazer outras perspectivas para além da patologização e medicalização.

Muitas vezes, do psicólogo no ambiente escolar é esperada uma atuação atribuída frequentemente à psicologia no senso comum (CFP, 2019). Esta, associa o psicólogo a alguém que irá corrigir um problema localizado única e individualmente nos sujeitos, e reivindica deste profissional a contenção pela via de medicamentos e tratamento dos alunos que destoam do padrão esperado.

Estes padrões se referem quase sempre a bom comportamento e rendimento, em discursos que culpabilizam quem não os alcança, sem levar em conta a realidade social e econômica de seus entornos. Através do questionamento e enfrentamento destes ideais padronizados, o psicólogo pode promover o acolhimento dos sujeitos e incentivar melhores relacionamentos na escola. Isto ocorre por meio da contribuição de cada um para o desenvolvimento próprio e coletivo a partir de seus potenciais, e não do que lhe falta.

O psicólogo, através de seus conhecimentos teóricos, sabe da importância das relações sociais para o desenvolvimento do psiquismo e pode, desta forma, trabalhar a singularidade ao trabalhar com o coletivo. Deve encaminhar somente casos que se façam necessários, sem perder de vista este objetivo.

É importante lembrar que, nesses casos, os encaminhamentos podem ser, se tratando de saúde mental (na Atenção Básica), ao CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). Ainda, na Proteção Social Básica (em situações de ameaça de vulnerabilidade e de riscos sociais), ao CRAS (Centro de Referência de Assistência Social). Na Proteção Social Especial (sujeitos já em riscos sociais ou com direitos violados), ao CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social).

3. Participar do controle social e do projeto político-pedagógico da escola.

É importante que os psicólogos participem do controle social das políticas públicas de educação. Controle social, aqui, se refere à fiscalização e participação da comunidade sobre os recursos destinados à educação básica pública, os quais são enviados ao município pelo governo federal e estadual. Isso acontece por meio dos conselhos municipais e estaduais.

Além de coibir a corrupção e auxiliar a implementação das políticas públicas, proporciona espaços para que possam ser elaboradas, com a representação de diretores da escola, alunos da educação básica (também secundaristas) e pais de alunos. Uma escola com boa infraestrutura, alimentação, transporte e remuneração dos docentes, utilizando todos os recursos recebidos, tem favorecidas condições importantes para bons relacionamentos e aprendizagem.

Além do controle social, é papel do psicólogo participar da elaboração, avaliação e reformulação do projeto político-pedagógico da escola em que atua. Assim, contribui com o aprofundamento na dimensão subjetiva da realidade deste ambiente.

4. Reafirmar seu papel de impulsionar a reflexão e questionar a demanda da resolução imediata de dificuldades.

Por serem complexos e multideterminados, os conflitos não são resolvidos em passe de mágica, como é esperado por muitos na fantasia do que pode o psicólogo. Este, levantando questionamentos, abre espaços para discussões, reflexões e ampliação do pensamento, favorecendo as lacunas e entraves estabelecidos na comunicação.

Muitas vezes a culpabilização por uma situação-problema como o temido “fracasso escolar” se alterna : ora a culpa é dos pais, ora dos professores, ora dos alunos. Promovendo a importância de cada um com sua singularidade e auxiliando a identificação das demandas da especificidade do local e dos sujeitos envolvidos, os espaços de diálogo ficam mais horizontalizados.

Consequentemente, todos se veem como responsáveis na cooperação para que a escola cumpra sua função de instituição de desenvolvimento, socialização e aprendizagem e evite, assim, cair nas cristalizações que enrijecem e prejudicam estes últimos.

5. Participar e ressaltar a importância da formação de redes no trabalho em coletivo.

Apesar de não poder atender às demandas de resolução imediata de problemas nem focalizar sua prática em atendimentos individualizados (imagine a impossibilidade de atender cada um dos alunos individualmente!), há muito a ser feito. O psicólogo na escola é responsável por contribuir com a formação de redes que caracterizam o trabalho em coletivo, esperado. Neste trabalho, espera-se o envolvimento da comunidade escolar e a promoção e incentivo da escuta e diálogo entre pais, alunos e professores, cada um com saberes e questões as quais podem ser compartilhadas e discutidas.

6. Ser mediador de diálogos e conflitos, fortalecer o papel do professor como agente principal da aprendizagem e introduzir reflexões da psicologia sobre o processo de ensino e aprendizagem.

O psicólogo deve contribuir para enriquecer o coletivo na prática interdisciplinar, introduzindo reflexões e diálogos sobre as complexidades sociais e subjetivas observadas no contexto específico de cada escola. A partir disso, orientar e escutar pais, professores e equipes pedagógicas, buscando sair de uma posição de hierarquia como único detentor de saber.

Como consequência de incentivar e promover diálogos e negociações, possibilita que todos os atores envolvidos na educação possam se sentir ativos e autônomos no processo de construção de um saber compartilhado, vínculos e transformação da realidade.

Do psicólogo, é esperado acrescentar ao conhecimento da equipe pedagógica discussões as quais visem auxiliar o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, conhecendo a relação entre cognição e afeto trazida pela psicologia. Deste modo, por conhecer a importância do afeto e do vínculo entre alunos e professores para a aprendizagem, deve buscar fortalecer o papel do professor como agente principal deste processo, procurando auxiliar e mediar o relacionamento entre ambos, quando necessário.

Além disso, por considerar o processo de ensino e aprendizagem atravessado por múltiplos determinantes (como econômicos, sociais e políticos), deve enfrentar discursos que buscam culpabilizar os professores pelo “fracasso escolar”. Faz parte disso perceber e apontar as condições de trabalho e cobranças que muitas vezes são adoecedoras.

Como foi possível observar ao longo do texto, o trabalho do psicólogo no ambiente escolar, deve buscar aliar-se ao funcionamento da escola e procurar proporcionar espaços de autonomia e cidadania do coletivo. Também cabe a este profissional sair deste ambiente para atuar de forma cidadã no controle social, pela escola.

Além disso, o psicólogo é responsável por buscar atualizar-se em conhecimentos técnico-científicos sobre a psicologia e a educação, para que possa efetuar ações potencializadoras. Ademais, deve acrescentar a visão de sua formação ao projeto político-pedagógico da escola e aos diálogos deste ambiente.

Referências

BRAGA, Marcus Vinicius de Azevedo. A importância do Controle Social na Educação, Disponível em: <https://www.pedagogia.com.br/textos/index.php?id=3>;. Data de acesso: 02/07/2020.

Conselho Federal de Psicologia (Brasil). Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) na educação básica / Conselho Federal de Psicologia. —— 2. ed. —— Brasília : CFP, 2019. 67 p. ; 12 cm. Inclui bibliografia.

GALDINO DE MEDEIROS, Lucilaide; AQUINO, Fabíola de Sousa Braz. Atuação do psicólogo escolar na rede pública de ensino: Concepções e práticas. Psicologia Argumento, [S.l.], v. 29, n. 65, nov. 2017. ISSN 1980-5942. Disponível em: <https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/view/20377>. Acesso em: 01 jul. 2020.

GIONGO, Carmem; OLIVEIRA-MENEGOTTO, Lisiane Machado de. (Des) Enlaces da psicologia escolar na rede pública de ensino. Psicol. USP,  São Paulo ,  v. 21, n. 4, p. 859-874,2010. Available from <http://www.scielo.br/scielo.phpscript=sci_arttext&amp;pid=S010365642010000400011&amp;lng=en&amp;nrm=iso>. access on  01  July  2020.  https://doi.org/10.1590/S0103-65642010000400011.

Promulgada lei que garante atendimento de psicólogo a alunos de escolas públicas. Disponível em: <;https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/12/12/promulgada-lei-que-garante-atendimento-de-psicologo-a-alunos-de-escolas-publicas>

Reis, C. S., Menezes, C. L. de, Carvalho, K. C., Ataíde, P. C. Q. de, Belfort, S. F., & Cassote, S. B. Mitos e verdades sobre a atuação do psicólogo escolar: A visão deste pelos profissionais e alunos de uma instituição de ensino privada em Manaus. Recuperado em 30 de set. de 2008, em <http://www. psicologia.com.pt>

SOUZA, Marilene Proença Rebello de. Psicologia Escolar e políticas públicas em educação: desafios contemporâneos. Em Aberto, Brasília, DF, v. 23, n. 83, p. 129-149, 2010. Disponível em: <http://www.rbep.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/1637/1303>

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